A POLÊMICA DO HOUAISS

O DICIONÁRIO CRIMINOSO

         A acusação é a seguinte: Entre os significados para a palavra "cigano", consta no Houaiss, como "uso pejorativo" do termo: "que ou aquele que trapaceia; velhaco, burlador" e "que é apegado ao dinheiro; agiota, sovina".

         Parece que o autor do processo movido pelo Ministério Público Federal de Uberlândia  desconhece a finalidade de um dicionário quando acusa o Houaiss de preconceituoso e pede sua retirada de circulação. É o retrato do absurdo quando se trata do significado do que seja preconceito.

         Os dicionários descrevem as palavras como estas são usadas pelas pessoas que as falam, pela sociedade que se usa da língua formal e informal, no sentido original ou pejorativo que as palavras possuem. A língua é um traço cultural de suma importância, é um traço livre, desenhado pelos tempos, pelas sociedades ancestrais, a língua é espontânea e assim deve permanecer. Um dicionário não tem o poder de dissertar sobre o significado das palavras ou expressões.

         É perigoso suprimir uma palavra do dicionário, pois analogicamente é como oprimir uma palavra ou expressão por força de lei, é proibir o direito de mencionar, é tentar calar. O que nossas autoridades tresloucadas não percebem é que independente da situação não se deve impedir o direito de falar, de se expressar, o que parece é que temos uma visão distorcida do que seja preconceito, racismo, homofobia, e que logo não poderemos mais usar as palavras como queremos, palavras que são propriedade da sociedade.

         Mentes distorcidas e que exacerbaram seus conceitos culminaram num acontecimento triste: Em Berlim (1933) foram queimados mais de 20.000 livros em praça pública, livros considerados não-alemães, porque autoridades consideraram seu contexto uma agressão a cultura alemã, dentre os livros haviam títulos de Freud, Einstein e Marx por exemplo. Longe de defender atitudes preconceituosas esse exemplo mostra a que ponto chega um povo não informado e não tolerante.

         As autoridades judiciais e políticas devem compreender que as atitudes que combatem o preconceito devem ser feitas com seguridade, com parcerias educacionais que levam informação a todos os seguimentos sociais, e ainda que esse processo é gradual e que a sociedade brasileira ainda é recente no reconhecimento de seus preconceitos bem como no combate aos mesmos. Não serão revertidos 500 anos de massacres tirando um dicionário de circulação.

         De maneira alguma deve-se fazer apologias ao preconceito, contudo existem maneiras mais eficientes e menos absurdas de se construir uma sociedade justa e tolerante.

PS: O dicionário Houaiss suprimiu a palavra cigano e também a palavra negro de sua versão eletrônica.